aquela manhã gelada
Sábado,
sete horas, uma manhã congelante! Estava nevando.
Lauren
ainda dormia, quando aos poucos acordara, ouvindo crianças falarem. Ou melhor,
gritarem — Tia... tia...tia...
Pensou — Só
posso estar sonhando, a esta hora da manhã e num frio destes, não haverá
criança nenhuma perambulando pela rua. Todas, com certeza, estariam em suas
casas, aconchegadas em suas camas. Mas o chamado continuou — Tia... tia... tia...
Lauren
levantou e espiou pela janela para certificar-se de que ouvira vozes infantis
chamando-a. Para seu espanto, eram duas meninas que moravam próximo a sua casa.
Lauren
trabalhava no escritório da empresa da família. Saía cedo de casa e voltava
somente à noite, tendo pouco contato com os vizinhos. Porém, havia trabalhado
muitas sobre-horas durante a semana e conseguiu uma folga naquele sábado.
Estava felicíssima em poder ficar um pouco mais na cama, curtindo o conforto,
naquela manhã gelada. Mas após ouvir os insistentes chamados, enrolou-se em uma
coberta e foi ver o que estava acontecendo. Chegando ao portão lateral de sua
casa viu as duas meninas com as mãos e os pés roxos e congelados, perguntando
se poderiam apanhar algumas frutas do pomar de Lauren, pois estavam com muita
fome.
Lauren
consentiu que colhessem as frutas, mas não conseguiu deixar que as crianças
fossem para casa, sem tomar um café quentinho e bem enroladas em um cobertor,
para se aquecerem. Suas mãos e seus pés estavam duros de tanto frio. Mal
conseguiam segurar as frutas. Lauren colocou-as em uma sacola para que pudessem
levá-las. Após tomarem o café quentinho e saborearem um lanche, Lauren
conduziu-as para casa.
Estas
visitas em horas inesperadas repetiram-se inúmeras vezes e a amizade
consolidou-se. Dialogando com as crianças, Lauren descobriu que havia mais
irmãos pequenos em casa. O pai as
abandonara e a mãe lutava para sobreviver com cinco crianças pequenas. Não
tinham cama e nem agasalhos que os aquecessem. Buscavam abrigo na casa dos
vizinhos, durante a semana e nos finais de semana na casa de Lauren.
Após
longa conversa com as meninas, Lauren perguntou se aceitariam tomar um banho
para cuidar de seus corpinhos tão necessitados de atenção, pela falta de
higiene, que já estavam fazendo pequenas feridas nos braços, pernas e na
cabeça. Não penteavam-se com medo de que a cabeça pudesse doer. E o banho era
um terror para elas. Poderia machucar os ferimentos em seus membros inferiores
e superiores. Porém Lauren foi falando durante vários dias, até as meninas
concordarem. Tarefa nada fácil. Estavam há tempo sem fazer uma assepsia em seus
corpinhos.
Antes
do acordado banho, Lauren foi a uma loja de tecidos e comprou flanela em metro
e lã em fio, para tricotar casacos, meias, toucas, xales e a flanela para
costurar saias de pregas as suas lindas meninas. Em pouco tempo tudo ficara
pronto e muito bonito. Lauren provara que o curso de corte e costura havia
valido a pena. Estava exuberante com seus feitos e a sua arte! Mal podia
esperar que chegasse o tão sonhado sábado, para mostrar as suas amiguinhas o seu
labor.
Era
sábado e o dia amanheceu com um sol esplendoroso!
Lauren
levantou cedo, fez café, preparou o lanche de suas amiguinhas, Keity de 6 anos
e Heidy de 5 anos. Fechou as janelas da lavanderia, acendeu o fogo no fogão à
lenha, encheu o taxo de água até a borda, lavou com todo o cuidado os tanques
de lavar roupa, colocou uma toalha de banho felpuda no fundo dos tanques e
preparou o banho das princesas. Sim, seriam as suas princesas, de agora em
diante. Tomaram banho no tanque de lavar roupas, por ser mais confortável,
ficarem sentadas e brincarem na água quentinha. Enquanto uma tomava banho, a
outra lia um livrinho infantil.
O
banho de cada menina demorou uma hora, pois os cuidados eram muitos, para
evitar machucá-las. O maior problema era lavar as suas cabeças. Mas Lauren,
sabendo da complexidade com a higiene, convidou sua mãe - enfermeira - para
ajudá-la com os curativos, após o banho.
Passadas
duas horas de dedicação com banho, curativos e vestir as meninas, Lauren ficou
emocionada com a beleza que observava a sua frente. Realmente duas princesas.
Que lindas ficaram, em suas
saias de pregas, casacos, toucas, meias e xales de lã, limpas e penteadas!
Lauren
tinha vontade de adotá-las, pois não tinha filhos. Serviu um café e conduziu-as
para casa. Lá chegando, a mãe das meninas quase não as reconheceu, tão lindas estavam!
As
visitas aos sábados continuaram por muito tempo. Aos poucos Lauren organizou-se
e foi em busca de camas e agasalhos para os irmãozinhos das meninas. Ficou
felicíssima com a compreensão e a ajuda dos amigos que auxiliaram a reunir os
itens necessários, para que todas as crianças desta família recebessem
aconchego e alimentação. As crianças foram encaminhadas a jardins de infância,
mais tarde para as séries iniciais do Ensino Fundamental e a vida prosperou
lenta, de acordo com as possibilidades.
Um
dia, para a surpresa de todos, a família foi embora. Os
anos passaram, sem comunicação entre a família e Lauren. Esta ficou por muitos
anos, sem notícias das amadas princesas. Sentia-se triste, pois havia se apegado às
crianças, com muito carinho.
Os
anos passaram. Lauren experienciou a alegria da maternidade. Nasceram três
filhas. Dedicou-se por longos anos à Educação e à Cultura. A vida lhe
proporcionara múltiplas experiências.
Eis
que um belo domingo, toca a campainha de sua casa e para a surpresa de Lauren,
esta se depara com a família conhecida! Tomou um choque! Ficou sem palavras!
Eram as meninas, agora já mulheres, parecendo muito bem conduzidas na vida, a
mãe e o companheiro, e os meninos, agora homens. Para surpresa maior, vieram
convidá-la para ser madrinha de casamento do filho mais novo da família. Lauren
chorou de alegria! Quando poderia imaginar uma surpresa tão agradável tão e
feliz!
Aceitou
o convite e, no dia do casamento, estava lá deslumbrada e ofuscada pela emoção,
por tudo o que pôde presenciar e vivenciar!
A
festa de casamento fora maravilhosa, mas, o que mais a emocionou, foi a união e
a integração daquela família! Saiu de lá feliz e agradecida! Muito agradecida!
Havia recebido um grande prêmio! Constatar a felicidade das crianças que um dia
a tiraram do seu aconchego e lhe ensinaram a ser solidária, fora muito, muito
bom!
Lorena Zago - Presidente Getúlio – SC
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